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Poesia

de António Durval

A Alguém

 

 

A Alguém

que sonha

o meu sonho

e o teu

e joga ao pião

com a Eternidade.

A Alguém
que pensa o
teu pensamento
e o meu
e vê pelos olhos tristes
do irmão que passa.

A Alguém
que está no centro
de ti e de mim
e das humanidades
d´aquém e d´além
espaço.

A Alguém
que é a razão oculta

da semente,
levada pelo vento,
que é mar
e estrela cadente,
berço e lar

da nossa alma.

A ti, também, 

que és infinito

e ainda não o sabes.
A ti meu amor,
estendo os braços,

e o impossível
será abraço.

Onde mora o vento
 
Sem o adejar dos pássaros
é triste o espaço onde mora o vento.
Sem o voo dos insectos,
é triste o adejar dos pássaros.
Sem o pólen das flores,
o voo dos insectos é triste.
Sem flores e sem árvores,
não há pólen no espaço onde mora o vento.
Sem Amor,
não há árvores, nem há flores.
Sem Amor,
o poema do espaço onde mora o vento,
não existe!
 
Como é bela a Natureza
 
Como é bela a Natureza quando namora.
Como é poderosa e fantástica quando se irrita.
Destroi-se a si mesma, a toda a hora,
e a toda a hora se renova e purifica!
 
A Via Lactea à noite
 
As estrelas eram seus olhos.
A Lua prateada o sorriso.
A brisa suave, sussurrando nas folhas
- finos dedos, ensaiando carícias.
 
Tentação disfarçada de noite.
Disponibilidade espontânea e pura,
abraçando o seu manto,
a alma ávida de encontro.

Enquanto as estrelas revolviam
as entranhas incandescentes
num aceno cintilante,
perdi-me nos seus braços,
o insondável espaço,
e baloucei num beijo interminável,
nos seus argênteos lábios.
 
O tempo parou.
Foi uma Eternidade,
completa, correspondida, total,
no espaço sideral.
 
Hoje 1
 
Hoje voltei a não ser.
Recapitulei amores perdidos
e não recordei os achados.
 
Hoje distraí-me na calma insegura
das noites sem Lua
e assisti ao parto de palavras ocas.

Hoje, quebrei algumas esquinas
de  ruas direitas.

 
Hoje 2
 
Hoje,
o encontro
é com a nostalgia
suspensa do nevoeiro
que dissolve a outra margem.
 
Hoje,
Escuto a fala das pedras
lavradas por mãos,
no pó, já esquecidas.
 
Hoje,
mergulho na torrente,
na atmosfera-digital
da cidade,
procurando as raízes,
a motivação original,
a identidade.
 
A Fábrica e o Cosmos
 
Os seres metálicos
zumbiam incessantemente,
vomitando,
numa sequência matemática,
"rilhotos" fumegantes,
algébricamente iguais,
constantemente,
constantemente...
 
O ar,
ainda há pouco
da clorofila saído,
às garras do fumo ia perecendo,
inocentemente,
inocentemente...
 
Vibrações
agitam a compasso
o paralelepípedo de vidro.
Dentro,
três bípedes,
de estrutura ósseo calcária,
recoberta de milhões de células,
esperam a hora do regresso,
do regresso ao calcário mineral.
 
No espaço infinito,
o planeta azul
gira, gira, sem pensar
que o seu pó
já pensa,
j
á pensa...
Mas ainda não sabe amar.

Momento

Lázaro o chamaram,

Lázaro foi,

naquela aventura,

no Azul,

na Paz,

no mistério.

 

Lázaro na noite,

Lázaro na sombra,

Lázaro à espera

do momento Eternidade,

do momento Luz,

do silêncio palavra,

que trespassa as fronteiras

da cósmica realidade.

 

E no momento,

no momento preciso,

a floresta aquietou,

os grilos calaram,

o pirilampo piscou,

e Lázaro suspenso

na sombra da noite,

o medo esqueceu.

 

E no momento,

no momento preciso,
as estrelas vieram,

lá do alto,

com muito Amor,

falar do Universo,

do pirilampo,

e da flor.

Contacto
 
Em redor,
o marulhar humano
e ambiental de um café.
O estertor citadino
de uma sociedade
a caminhar para um fim.
A aparência de vida
num cenário luzente,
sem significado para mim.
 
Cá dentro,
a cíclica tendência,
a propensão
para o radical,
magra condescendência,
só cego ideal.

Pássaro cansado
pousando no ramo.
 
Fecho os olhos devagar,
abro a janela e chamo.
 
Desperto ou a dormir,
a chorar ou a rir,
quem procuro virá.
 
Ao largo do "inconsciente",
toma forma, e nascente,
um ponto de luz,
uma promessa de Sol.
 
O rosto-compreensão
depressa se ajusta
à compreensão do rosto.
 
Agora
anónimamente,
dois seres compartilham
a mesma mesa,
o mesmo atentado
aos preconceitos.
 
Em redor,
o vasio retrocede,
novos horizontes
se revelam,
e do inicial estertor
resta somente,
doce e fonético rumor,
murmúrio de fontes.
 
Naquele dia
 

Naquele dia,

falei

falamos,

dos sonhos

das esperanças,

das penas sofridas,

dos mundos a construir,

das barreiras a transpor

e da Paz esquecida.

 

Falei,

falamos,

e descobrimos que chegamos

por trilhos diferentes,

desiguais vivências,

por outras alegrias

e tristezas

temperados.

 

E descobrimos também

a fadiga,

a ânsia de contar

como  Ihe  resistimos,

e o prazer

da troca irmã

do ser

que o tempo esculpiu em nós.

 

Aconteceu!

 

Gastam-se milh6es

em telesc6pios,

antenas, radares, foguet6es,

à procura se um solitário bip-bip,

inteligente,

na ânsia de um contacto

de uma prova real,

concludente,

doutros sentires

no espaço sideral.

 

Naquele dia

dois mundos entraram em vibração,

em sintonia,

dois universos se conjugaram,

se comunicaram,

sem electrónica,

sem tecnologia.

 

Aconteceu Mar

nos olhos luz
naquele dia.

 

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